sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Nada a declarar

Em primeiro lugar, não é verdade.
Dificilmente eu teria nada a declarar.
O cansaço não esvazia a mente. Antes, a paralisa. Congela o pensamento que fica suspenso, à espreita, como as tevês antigas e seu chuvisco pré-sintonia. Montanhas de palavras se engalfinhando e elas só saem aos borbotões. Ou em blocos congelados. Es-par-sos.
A pouca intimidade com a linguagem ou seu oposto, obviamente, também em nada implicam espaços em branco. Todos conhecemos pessoas que criam verbos e substantivos, torcem frases, ampliam significados para fazer caber nas 500 palavras que dominam todo o universo que querem dizer. Ou aqueles que arduamente labutam para a eclosão de 312 novos sentidos para cada componente de seu vasto vocabulário.
Tem gente que canta. Escreve. Desenha. Observa (esse dialoga principalmente consigo mesmo, com seu próprio repertório de postulados e reflexões). Diz.
A mania de repetir tudo que se ouve como um papagaio, isso sim, pode criar um problema de expressão. Não em sentido estrito, é claro. Fala pelos cotovelos (ou pelas pontas dos dedos, nesses tempos de facebook e twitter) quem se cola imediatamente ao pensamento do outro: "É tudo que eu queria dizer". Mas não fala pelo lugar que ocupa quem sequer pressente estranheza na frase que serve como uma luva em qualquer um. Quem mesmo?! Tudo é achado da literatura universal.
Será que, neste caso, se interrompe a humana necessidade de dizer? Já que tudo foi dito e redito e - blá-blá-blá - sofríveis (herdeiros?) do pós-moderno que somos? Difícil numa época em que todos nos apropriamos das colagens e do simultâneo como formas básicas de comunicação. Quando zilhares de blogs como esse engrossam o caldo da internet. Do espaço negro da internet, quero dizer. Daquelas infinitas conexões que nos ligam... aos milhões que dizem apenas para si mesmos. Ou seu blog flutua condecorado com dezenas de parcerias, links e espaços publicitários? Neste caso, você pertence à pontinha do iceberg descoberto por internautas que irão acampar aos montes por aí.
Difícil nada ter a dizer. Principalmente para seu próprio umbigo. Você se rebela, entedia, distrai, dopa. Fica tudo ali flutuando (quem dera houvesse alguma coisa semelhante ao processo de decantação). Por isso decide dizer. Pra página em branco (que é o Outro subentendido) ou pro outro mesmo.
É quando surgem os desconfortáveis pra quê e como. Esses ficam pra depois.

sábado, 9 de junho de 2012

Cristal


E que fazer desse cristal que carregamos no centro do peito?
Desse som que tilinta quando respiramos?
Dessa imensa delicadeza?

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A rede



Encontrei meu filho deitado na rede.
Sozinho, olhando para o nada,
Pensando em branco e bem cedo,
na casa vazia.

Encontrei meu filho deitado na rede,
Verde e orgulhosa no meio da sala,
embalando meu menino,
enquanto eu dormia.

Encontrei meu filho deitado na rede.
Coração disparado, procurei e duvidei
Ele me viu e sorriu
enquanto crescia.

Minha mãe me encontrou deitado na rede.
Espantada, porque eu sorria enquanto ela dormia.
E a rede era rede mesmo.
Não era carro, cavalo ou qualquer fantasia.

Minha mãe me encontrou deitado na rede.
Eu pensava colorido olhando o branco da vida.
E ela ficou olhando bem o que eu fazia.
E não era nada, nadinha.

Éramos eu e a rede
Na casa vazia.
Quietinhos os dois,
Enquanto minha mãe dormia.